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Papa Highirte do Grupo Tapa: uma obra-prima brasileira sobre a queda de Bolsonaro


Animados com a possibilidade de atingir o público popular, Vianinha e alguns atores deixaram a Arena logo em seguida e se mudaram para o Rio de Janeiro, onde decidiram produzir uma peça teatral sobre o conceito marxista de mais-valia. A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar (Inglês: A mais-valia vai acabar, Sr. Edgar) atraiu centenas de universitários durante os ensaios. Esse coletivo se tornaria o núcleo dos Centros de Cultura Popular (CPCs), um grande movimento cultural e político que reuniu jovens artistas e ativistas por todo o Brasil entre 1961 e 1964. Nesses anos, Vianinha escreveu uma série de peças teatrais sobre as questões sociais mais urgentes no Brasil, incluindo a concentração da propriedade da terra, a falta de acesso ao ensino superior e os problemas relativos à estratégia dos comunistas de alianças políticas com os industriais. A maioria dessas peças foi encenada na rua e em outros locais não convencionais, como salões de sindicatos e escolas.

Um golpe militar em 1964 pôs fim ao governo reformista do presidente João Goulart e a toda aquela efervescência política – inclusive os CPCs, cujas sedes foram metralhadas e incendiadas no mesmo dia do golpe. Apoiada pelo presidente Lyndon Johnson, a ditadura implantada pelos militares teve um caráter bastante antioperário e impôs cortes salariais, extinguiu programas de assistência social e atacou direitos trabalhistas. A repressão cresceu progressivamente, atingindo líderes sindicais, organizadores camponeses, ativistas políticos, estudantes e artistas. Até 1985, quando terminou, o regime deteve, torturou, matou e exilou milhares de pessoas.

Com a queda dos CPCs, Vianinha juntou alguns de seus ex-colegas e criou o Grupo Opinião, que se esforçou para abordar artisticamente as diversas violações perpetradas pela junta militar. Ao mesmo tempo, continuou a trabalhar em suas peças, refletindo sobre os processos históricos que levaram os brasileiros à ditadura e bloquearam todas as tentativas de transformação das estruturas socioeconômicas do país. Papa Highirte é uma parte central de tal esforço. A peça se passa em um país fictício da América Latina chamado Montalva, onde Juan Maria Guzamón Highirte, o ex-ditador da (também fictícia) Alhambra está agora exilado. Ao longo da peça, ele maquina para retomar o poder enquanto, em movimento paralelo, um militante de esquerda, Pablo Mariz, procede para vingar a morte de um de seus camaradas – Manito – nas mãos dos oficiais de Highirte.

A peça não apenas lida com as forças políticas internacionais e domésticas em jogo no Brasil, golpe de Estado, mas também retrata a realidade maior do imperialismo na América Latina. O populista Highirte, cujo apelido é Papa – uma clara referência ao Haitiano François Duvalier, conhecido como Papa Doc – tinha sido apoiado pelas forças armadas e por uma potência estrangeira não identificada. Ele foi igualmente deposto por ambos e agora busca desesperadamente atrair para sua conspiração um general leal, Menandro, e um delegado de uma potência estrangeira. É assim que as coisas funcionam na América Latina desde 1954, quando a CIA e a United Fruit Company depuseram o presidente reformista guatemalteco Jacobo Árbenz.

Maria Sílvia Betti, especialista no teatro de Vianinha, afirma no prefácio da nova edição de Papa Highirte—divulgado em 2019 pela Editora Temporal—que a ingerência diplomática dos Estados Unidos foi o elemento unificador que ligou as ditaduras latino-americanas na década de 1960. A justificativa ideológica para tal intrusão era a luta contra o comunismo e a defesa do chamado mundo livre. Betti, que também é professor de teatro brasileiro e estadunidense na Universidade de São Paulo, argumenta: “Com base nessa perspectiva, a política dos Estados Unidos para a América Latina disseminou a ideia de que era uma atribuição dos exércitos, sob responsabilidade técnica orientação dos Estados Unidos, para assegurar a ordem social e econômica”.



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